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sexta-feira, 4 de julho de 2014






Vale a pena conferir!!! No Museu de arte moderna (mam)...


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ALIMENTÁRIO – ARTE E PATRIMÔNIO ALIMENTAR BRASILEIRO

13 de Junho a 10 de Agosto de 2014
ALIMENTARIO
 O desafio e a ambição de Alimentário, concebida por Felipe Ribenboim, é de não ser uma exposição convencional, facilmente catalogada. Não é uma exposição de obras de arte, por exemplo, se pensarmos que ela inclui, entre outras coisas, textos, documentos históricos, utensílios de cozinha, pesquisas culinárias contemporâneas, fotografias e vídeos documentais. Também não é uma exposição propriamente didática ou histórica, porque existem, na visão a voo de pássaro que aqui se apresenta, hiatos e elipses, redundâncias e idiossincrasias.  A estratégia da curadoria foi apresentar um retrato, talvez incompleto, mas sem dúvida sugestivo, de como o universo dos alimentos e da culinária, aos poucos e de maneira discreta, contribuiu para a constituição do Brasil que conhecemos.
Um retrato, por assim dizer, involuntário, parafraseando Marcel Proust que, Em busca do tempo perdido, aspirava à “memória involuntária”, suscitada repentina e inesperadamente pelo gosto de uma madeleine: “quando mais nada subsiste de um passado remoto, após a morte das criaturas e a destruição das coisas – sozinhos, mais frágeis porém mais vivos, mais imateriais, mais persistentes, mais fiéis – o odor e o sabor permanecem ainda por muito tempo, como almas, lembrando, aguardando, esperando, sobre as ruínas de tudo o mais, e suportando sem ceder, em sua gotícula impalpável, o edifício imenso da recordação”.
O edifício imenso da alimentação, no país desmedido que o Brasil sempre foi, tornou-se em muitos momentos espelho não apenas das memórias, mas da própria construção da identidade nacional, ou melhor, das muitas identidades que a compõem. Da comida indígena, assimilada de maneira quase inconsciente e hoje paulatinamente redescoberta e reavaliada por uma geração de chefes inovadores e surpreendentes, passando pela longa polinização de produtos e técnicas promovida pelos tropeiros e pelas expedições científicas e artísticas, até as inúmeras adições, sobreposições e fusões promovidas pelas diversas ondas migratórias, desde o deslocamento forçado dos escravos da África, até os mais recentes e diversificados, entre final do século XIX e começo do século XX, principalmente desde a Europa e a Ásia.
Se os registros, textos e documentos que aqui se apresentam contam a história do processo longo, complexo e por vezes traumático, da sedimentação de conhecimentos e culturas, as obras de arte não foram selecionadas com o intuito de esclarecer ou exemplificar, mas de fornecer um contraponto mais poético que didático. Evidentemente, em alguns momentos as duas histórias (a contada pelos documentos, e a evocada pelas obras de arte) se sobrepõem, mas em outros elas podem apresentar visões distintas, não diametralmente opostas, mas também não paralelas. Como é evidente, documentos e obras nunca poderiam contar a mesma história, mas mais do que isso, o que se buscou foi apresentar, por meio das obras, um retrato do universo alimentar brasileiro que fosse fiel no sentido de reproduzir não seus traços externos, mas a pluralidade, a diversidade e até o seu estado de permanente transformação.
Nesse sentido, para transmitir o deslumbramento dos primeiros colonizadores e viajantes, os filmes misteriosos e estranhos dos portugueses Gusmão e Paiva,  as plantas carnosas inventadas e esculpidas por Erika Verzutti, ou a revisitação contemporânea da epopeia de Hans Staden por parte de Maurício Dias e Walter Riedweg, são tão pertinentes quanto as gravuras que acompanham o relato de suas viagens pelo “Brasil holandês”, publicado em 1682, por Johan Nieuhof, ou as realizadas, no século XIX, por François Louis de Castelnou. Em outro contexto, Bi Polar 2, parte de uma série de trabalhos em que Ayrson Heráclito utiliza o azeite de dendê, parece apontar para a ferida aberta da escravatura e da migração forçada de inúmeros africanos, introduzindo o âmbito pessoal e íntimo dos processos migratórios com a mesma força com que uma pintura de Fulvio Pennacchi ou de Lasar Segall nos mergulham no seu aspecto social e econômico. Por sua vez, Bólide Saco 2 – Olfático, de Hélio Oiticica, funciona como uma espécie demadeleine brasileira, ao evocar memórias ao mesmo tempo coletivas e individuais por meio do cheiro de café, complementando de maneira imediata, íntima e poética o que a História nos ensina sobre os grandes ciclos econômicos. E as pipocas de cerâmica de Débora Bolsoni, espalhadas pelo espaço expositivo, de certa maneira condensam todos os momentos desse longo processo, aludindo ao mesmo tempo à persistência silenciosa da cultura indígena (a palavra pipoca deriva do tupi guarani pi(ra), pele, e poca, rebentar: a pele rebentada) e a sistemas de produção massivos e industrializados que constituem, de inúmeros pontos de vista, sua nêmesis mais completa.
Segundo Gilberto Freyre[c1] , o lugar onde as influências negra, indígena e portuguesa “se equilibraram ou harmonizaram, foi na cozinha do Nordeste agrário, onde não há excesso português como na capital do Brasil, nem exclusividade ameríndia como no extremo Norte, porém o equilíbrio”. É revelador que, na visão de um dos grandes pensadores da formação do Brasil, o lugar onde a suposta Democracia racial se torna concreta e real é uma cozinha. Como afirmado antes, o intuito de Alimentário não é propor ou convalidar teorias sociológicas como a de Freyre, mas servir-se delas para corroborar a tese que a cozinha constitui, há muito tempo, o lugar central na construção do imaginário nacional. A presença de obras de arte de várias épocas e estilos, em que a importância da comida se faz tangível de muitas maneiras diferentes, apesar de não ser sempre direta e literal (ou talvez exatamente por isso), nos ajuda a entender a profundidade da relação do povo brasileiro com o universo da alimentação, contribuindo para a compreensão do enorme valor cultural que ele carrega.

Jacopo Crivelli Visconti

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